Bicentenário de Marius Petipa

Homenagem a Marius Petipa, pelo seu bicentenário em 2018.


por Natália Vasconcellos

Há exatamente 200 anos, no dia 11 de março de 1818, nascia o "pai do balé clássico"[1] ou "filho da dança"[2], Marius Petipa[3]. Isso mesmo. Muito embora o balé, como dança, tenha raízes mais profundas, foi há dois séculos que nasceu aquele que traria nova e imensa contribuição ao

balé, complexificando-o e difundindo-o ainda mais, e elevando a Rússia a expoente máximo do balé clássico, pelo seu legado como bailarino, mestre de balé e coreógrafo; indiscutivelmente o coreógrafo mais proeminente que qualquer outro na história do balé clássico. Basta ver as suas obras mais renomadas - 'O Lago dos Cisnes', 'A Bela Adormecida', 'Raymonda', 'Dom Quixote', 'La Bayadère' - para entendermos a união de técnica e dramaticidade primorosas, conseqüentemente o motivo dos títulos a ele atribuídos.

Pode-se dizer que Marius Petipa estava predestinado para a dança, pois nasceu em Marselha (França), era filho do bailarino, professor e coreógrafo Jean Antoine Petipa (1796-1855), e também tinha um irmão mais velho bailarino, Lucien Petipa (1815-1898). Tanto que iniciou no balé como aluno de seu pai. Depois, passou a ser aluno de Auguste Vestris[4] (1760-1842). Fez a sua estreia como bailarino em Bruxelas (1831), na peça Dansomanie, de Pierre Gardel (1758-1840), e como bailarino principal em 1838, na cidade francesa de Nantes, onde ele coreografou seus primeiros balés, Le droit du Seigneur, La Petite Bohémienne, e La Noce à Nantes.

Entre 1843 e 1846, Petipa excursionou pela Espanha e estudou dança espanhola em Madrid, o que influenciou fortemente as suas criações desse período e posteriores, com um sabor hispânico. Alguns balés de sua autoria nesse período: Carmen et son toréro, La Perle de Séville, L'Aventure d'une fille de Madrid, e La Fleur de Grenade, Départ pour une corrida, entre outros. 

Em seguida, 1847 foi um ano determinante na vida de Petipa e do futuro do então Balé Russo. Este foi o ano em que ele se mudou para São Petersburgo. Ainda como dançarino apenas, fez enorme sucesso dançando os balés Giselle, Paquita, La Péri, Esmeralda e Le Corsaire, tendo sido partner da vigorosa Fanny Elssler (1810-1884). Aliás, ele era principalmente admirado em papéis de dança a caráter.

Na Rússia, ele trabalhou como assistente de Jules Perrot (1810-1892), tendo-o substituído, atuando também com Arthur Saint-Léon (1821-1870). Esse período foi quando ele criou seu primeiro balé significante, The Star of Granada[5] (1855), e alcançou sucesso popular com A filha do Faraó (1862), o que proporcionou a Petipa, no mesmo ano, sua nomeação como mestre de balé naquela instituição. Sobre A filha do faraó, a bailarina, professora e pesquisadora Eliana Caminada nos conta que: 

"Foi realizado para atender aos caprichos da estrela da época, Carolina Rosati; pressionado pela bailarina, Petipa opôs-se à direção da companhia, que considerava o tempo exíguo demais para a montagem de algo completamente novo. Mas o desafio de colocar um balé com mais de quatro horas de duração e a participação de quatrocentos artistas, montado em três semanas somente, constituiu-se num sucesso". (1999, p. 150).

Sete anos depois, em 1869, foi promovido a mestre de balé chefe, inclusive porque Saint-Léon partia, então, para a Ópera de Paris, passando Petipa a assumir sozinho a direção do Balé Russo, em cujo cargo se manteve uma autoridade incontestável por mais de três décadas. Foi um período profícuo, em que ele passou a coreografar cerca de 50 balés para o Teatro Imperial, tanto em São Petersburgo quanto em Moscou, e foi através deste repertório que o Balé Imperial da Rússia tornou-se proeminente no século XIX, superando outras companhias europeias.

No final daquele mesmo ano de 1869, em dezembro, no Teatro Bolshoi de Moscow, estreava Dom Quixote, uma livre adaptação do romance homônimo de Miguel de Cervantes. O balé não despertou muito sucesso na época, apesar de, posteriormente e até os dias atuais, integrar o repertório das grandes companhias de balé no mundo todo. 

Em 1874, o dinamarquês Auguste Bournonville (1805-1879), em visita a São Petersburgo, fez severas críticas ao estilo que Petipa vinha assinalando no Balé Russo, junto ao então professor da Escola Imperial, Christian Johansson (1817-1903), sob a acusação de que se estavam traindo os ideais preconizados, um século antes, por Noverre. E as críticas também se estendiam às saias das bailarinas, "encurtadas sem medidas" (apud BOURCIER, 2001, P. 218). Eis que nessa época se deu a modificação dos tutus[6] românticos aos tutus acadêmicos ou clássicos (hoje evoluídos a tutus prato/bandeja).

A despeito da primeira impressão de Dom Quixote e das duras críticas de Bournonville, Petipa obteve um público entusiasmado no ano de 1877, com a estreia de La Bayadère, no Teatro Mariinski. Vale ressaltar a presença de Maria Mariusonova (1857-1930), sua filha[7], no papel de Gamzatti, que, seguindo a herança genética, também foi fortemente aclamada como bailarina de danças a caráter, pela sua capacidade interpretativa aliada à refinada técnica.

O renome de Petipa não é devido apenas às seus balés inéditos, mas também às suas remontagens do repertório francês, como Paquita, Esmeralda, Coppélia, Le Corsaire, bem como dos mais consagrados balés românticos, a exemplo de La Sylphide e Giselle. Este último, inclusive, é hoje mais conhecido na sua versão acadêmica, recriada por Petipa, do que na sua original versão romântica, de Jean Coralli (1779-1854) e Jules Perrot.

A partir do ano de 1887, com a atitude do então diretor dos Teatros Imperiais em suprimir o cargo de 'compositor de música de balé' - que antes fora ocupado por Cesare Pugni (1802-1870), para obras da década de 1860, e Léon Minkus (1826-1917), para obras da década de 1870, como Dom Quixote e La Bayadère - abre-se caminho à associação gloriosa de Petipa com Piotr Ilich Tchaikovski (1840-1893). Assim, em janeiro de 1890, encenava-se, A Bela Adormecida [no bosque], o qual obteve um público triunfante. Em sua estreia, novamente pontua-se a participação da filha de Petipa, Maria, como a Fada Lilás, importante papel criado por ela mesma.

Por ocasião da morte de Tchaikovsky, em 1895, Petipa decidiu apresentar, junto ao seu assistente coreográfico Lev Ivanov (1834-1901), a sua recriação d'O Lago dos Cisnes. Esta obra trata-se da primeira composição de balé de Tchaikovsky, a qual foi inicialmente coreografada pelo austríaco J. W. Reisenger (1828-1892), sendo apresentada pelo Bolshoi de Moscow em 1877 e recriada noutros anos por outros coreógrafos. Até a versão de Petipa, O Lago resultava em fracasso. Foi Petipa, junto a Ivanov, que elevou esse balé ao título de obra-prima da dança.

Após o falecimento de Tchaikovsky, Petipa contou com a colaboração de outros compositores, mas nenhum que abrilhantasse as obras como o seu anterior compositor. Alexander Glazunov (1865-1936) foi um deles. Dessa parceria surgiu Raymonda, em 1898. Até que, em 1904, Petipa aposentou-se com o título honorário de 'mestre de balé vitalício' e faleceu seis anos depois, em 1910. Suas memórias foram publicadas antes de seu falecimento, ainda em 1906, em São Petersburgo, e postumamente traduzidas para o inglês em 1958 (Londres) e em 1992 (Nova Jersey). 

Assim, Marius Petipa deixou seu legado na história da dança como expoente máximo do classicismo da dança ou, mais apropriadamente, representante do academicismo russo, que seria a união da escola clássica francesa, com sua elegância e sensibilidade, à virtuosidade da escola acadêmica italiana, com um toque de sabor espanhol; tudo isso seria a encarnação da mista alma eslava. 

"A obra de Petipa era para ver e não para comover." (BOURCIER, 2001, p.221).

"Estilisticamente, Petipa trouxe com ele um rico legado. Educado nas técnicas superiores das escolas francesa e italiana, fascinado pelas cores e ritmos da dança espanhola, enxertou esta mistura europeia às grandes tradições da Rússia czarista. Ao aperfeiçoar seu ofício ao longo de sua longa carreira, Petipa não só expandiu a gama expressiva e o brilho estilístico da 'danse d'ecole', mas também refinou e desenvolveu a forma do balé clássico."
[tradução da autora] (CRAINE; MACKRELL, 2010, p. 348).

"A perenidade das coreografias de Petipa, a maestria como utilizou o conjunto, o lirismo, o refinamento e inspiração dos movimentos, a riqueza do vocabulário utilizado se incubiram de julgar a sua genialidade; poucos, como ele, souberam tão bem conviver com a renovação visual e com a técnica poética e terna exigidas pelos papéis, sobretudo os das mulheres, e com a necessidade de agradar ao público e à burocracia oficial. A verdade é que, acima de tudo, de sua colaboração com Tchaikovsky , surgiram os mais belos momentos que a dança cênica é capaz de produzir".
(CAMINADA, 1999, P. 156).  

Uma curiosidade: 

No ano de 1818, ano de nascimento de Marius Petipa, o bailarino e coreógrafo italiano Salvatores Viganò (1769-1821) apresentou 'La Vestale', na qual foram superadas "todas as formas de expressão. Sua arte instintiva lhe permitiu descobrir a verdadeira natureza do ballet: romântico por excelência" (Stendhal apud CAMINADA, 1999, p. 136). Afinal, era o auge do balé romântico. Foi nesse ambiente que Petipa nasceu.

REFERÊNCIAS:

BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

CAMINADA, Eliana. História da dança: evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999.

CHUJOY, Anatole; MANCHESTER, P. W. The Dance Encyclopedia. New York: Simon and Schuster, 1967.

CRAINE, Debra; MACKRELL, Judith. The Oxford Dictionary of Dance (2 ed.) New York: Oxford University Press Print Publication, 2010. 


[1] CHUJOY; MANCHESTER. The Dance Encyclopedia, 1967, p. 726.

[2] BOURCIER, 2001, p. 215.

[3] Lê-se Petipá.

[4] Auguste Vestris era filho de Gaetan(o) Vestris (1728/9-1808) - "Le Dieu de la danse" [o Deus da dança] (CRAINE; MACKRELL, 2010, p. 472) -, o qual, por sua vez, teve seu estilo bastante influenciado pelo revolucionário Jean-Georges Noverre (1727-1810), quando dançou nas peças deste último.

[5] Segundo o Dicionário Oxford de Dança (2010, p. 348).

[6] Lê-se titi.

[7] Do casamento com a bailarina russa Maria Sergeyevna (1836-1882). Casaram-se em 1854 e se divorciaram em 1869, quando a carreira dela começou a declinar, em contraposição ao crescente sucesso do renomado M. Petipa. Durante o casamento, ela criou muitos papéis nos balés dele. (Id., p. 347).

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